Eletronorte completa 48 anos

Postado em 19/06/2021
Paulo Brandi

Graduado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), iniciou carreira profissional no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). É pesquisador da Memória da Eletricidade desde 1987, onde coordenou diversos trabalhos publicados pela instituição, entre os quais, "Eletrificação rural no Brasil: uma visão histórica".

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Usina Hidrelétrica de Tucuruí . Fonte: site da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA)

Em 20 de junho de 1973, a Centrais Elétricas do Norte do Brasil (Eletronorte) foi constituída pelo governo federal com a missão de construir e operar usinas e linhas de transmissão na Amazônia e coordenar os programas de energia na região. De imediato, a Eletronorte integrou o quadro das subsidiárias da Eletrobras, empresa holding federal, assumindo papel similar ao desempenhado nas demais regiões do país pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), Furnas Centrais Elétricas e a Centrais Elétricas do Sul do Brasil (Eletrosul)

Em quase cinco décadas de atividades, a Eletronorte se firmou como uma das principais empresas do setor elétrico brasileiro. Além dos estudos de viabilidade de aproveitamentos hidrelétricos, a companhia empreendeu grandes obras de geração e transmissão na Amazônia, em condições por vezes extremamente adversas, e apoiou as concessionárias da região, prestando-lhes assistência técnica especializada, inclusive em situações emergenciais, como vimos recentemente no Amapá. Também atuou, em certa medida, como uma agência de desenvolvimento regional, construindo estradas, hospitais e escolas em localidades carentes de recursos e de ações dos poderes públicos.

Criação 

A criação da Eletronorte foi recomendada pelo Comitê Coordenador de Estudos Energéticos da Amazônia (Eneram), organismo instituído pelo Ministério das Minas e Energia (MME) em 1968, responsável por trabalho pioneiro de reconhecimento do potencial hidrelétrico e mapeamento dos mercados de energia da região Norte. Coordenados pela Eletrobras, os estudos do Eneram foram realizados ao tempo em que o governo militar buscava acelerar a exploração dos recursos naturais da Amazônia, em especial as grandes riquezas minerais descobertas na região do rio Trombetas (bauxita) e de Carajás (ferro), no estado do Pará. 

Os estudos do Eneram abrangeram 26 rios da bacia amazônica, revelando diversas possibilidades de aproveitamento hidrelétrico para suprimento a capitais e polos de consumo da região Norte. Na época, o parque gerador de energia elétrica na região era composto exclusivamente por pequenas unidades térmicas a diesel e óleo combustível, somando cerca de 250 megawatts (MW), correspondentes a menos de 2% do total nacional. O relatório final do Eneram, aprovado pelo ministro Antonio Dias Leite, recomendou o prosseguimento dos estudos hidroenergéticos da Amazônia por entidade subsidiária da Eletrobras. Em novembro de 1972, a Lei nº 5.824, sancionada pelo presidente Emílio Garrastazu Médici, destinou recursos para a subscrição do capital da Eletronorte. 

A nova subsidiária da Eletrobras foi constituída sob a presidência do coronel e engenheiro Raul Garcia Llano. A empresa funcionou no Rio de Janeiro até fevereiro de 1975, quando deslocou toda a sua equipe para a sede oficial em Brasília.

A Eletronorte foi incumbida de atuar em área de quase 5 milhões km², compreendendo os estados do Amazonas, Pará e Acre, os territórios do Amapá, Roraima e Rondônia (que ainda não haviam passado à condição de estados), além de partes do Mato Grosso (acima do paralelo 18) e de Goiás (ao norte do paralelo 15) na região Centro-Oeste. Em 1980, sua área de atuação foi ampliada com a inclusão do Maranhão e de todo o estado do Mato Grosso, em conseqüência do desmembramento do Mato Grosso do Sul. Em 1988, a área de Goiás que deu origem ao estado de Tocantins foi incluída na região geo-elétrica de responsabilidade da empresa. 

Coaracy Nunes, primeira hidrelétrica da Amazônia

Em seu primeiro ano de atividades, a Eletronorte realizou estudos sobre as necessidades energéticas mais urgentes do Pará e do Amazonas e instalou pequenas centrais térmicas nas cidades de Rio Branco e Porto Velho. Em julho de 1974, a companhia foi incumbida de levar a cabo a construção da hidrelétrica de Coaracy Nunes (Paredão), iniciada pela Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA). Situada no rio Araguari, a usina entrou em operação em novembro de 1975, com 39 MW de potência instalada. Primeira hidrelétrica da Amazônia, Coaracy Nunes passou a suprir Macapá e localidades próximas, beneficiando também as atividades de extração de manganês na Serra do Navio. 

Entre 1976 e 1980, a Eletronorte assumiu o planejamento, a operação e a manutenção dos parques geradores termelétricos de Belém, Manaus Porto Velho e Rio Branco. Na capital amazonense, assumiu também a distribuição de energia elétrica, por intermédio da incorporação da Companhia de Eletricidade de Manaus (CEM).

Tucuruí, Balbina e Samuel

O segundo e principal empreendimento de geração da Eletronorte foi a usina de Tucuruí, situada no rio Tocantins, no Pará, em plena floresta amazônica, 320km ao sul de Belém. Com grande potencial de 8 mil MW, Tucuruí despontou como a maior hidrelétrica inteiramente brasileira, só inferior à usina binacional de Itaipu, construída na mesma época. A usina foi planejada para atender ao mercado energético polarizado por Belém, levando em conta um projeto de desenvolvimento que incluía incentivos tarifários e fiscais, em especial para a instalação de indústrias eletrointensivas de alumínio. Também foi considerado o suprimento de energia à região Nordeste mediante a implantação de 1.700km de linhas em 500 quilovolts (kV) entre Tucuruí e a usina de Sobradinho, no rio São Francisco, pertencente à Chesf.

Tucuruí foi inaugurada em novembro de 1984, dispondo de duas unidades geradoras de 350 MW de potência. Com extensão de 170km, seu reservatório inundou uma área de 2.830km², obrigando a relocação de mais de 20 mil pessoas, incluindo duas reservas indígenas. A primeira etapa do aproveitamento hidrelétrico foi concluída em 1992, com a entrada em operação da 12ª unidade geradora. 

Em paralelo, a Eletronorte construiu as usinas de Balbina e Samuel, situadas respectivamente nos rios Uatumã e Jamari, nos estados do Amazonas e Rondônia. A hidrelétrica de Balbina foi projetada para o suprimento de Manaus, em complemento ao parque termelétrico da capital amazonense. A usina começou a gerar energia em 1989, perfazendo a capacidade de 250 MW no ano seguinte. Balbina tornou-se um dos empreendimentos mais polêmicos do setor elétrico brasileiro por causa do alto custo ambiental de seu reservatório com 2.360km². A Eletronorte promoveu diversos programas para atenuar o impacto da obra sobre os ecossistemas aquáticos e terrestres, além do programa Waimiri-Atroari, voltado para a assistência da população indígena atingida pela hidrelétrica. 

A usina de Samuel foi planejada para o atendimento de Porto Velho e outras localidades de Rondônia, além de Rio Branco, no Acre. Inaugurada em 1989, a quarta hidrelétrica da empresa federal atingiu a capacidade de 216 MW em 1996.

Kararaô-Belo Monte

Na década de 1980, a Eletronorte deu continuidade ao levantamento do potencial hidrelétrico da Amazônia e aos estudos de viabilidade de novos aproveitamentos nos rios Xingu, Tocantins, Araguaia e Trombetas. Os estudos na bacia do rio Xingu levaram a empresa a projetar a construção da hidrelétrica de Kararaô, depois denominada Belo Monte, no estado do Pará, com 11 mil MW de potência final, considerada de vital importância para o abastecimento de longo prazo das regiões Sudeste Nordeste. Em 2000, a Eletronorte celebrou acordo de cooperação com a Eletrobras para a complementação dos estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental do complexo hidrelétrico de Belo Monte. A retomada dos estudos sobre Belo Monte levou em conta novas premissas para o desenvolvimento do projeto, em especial, a significativa redução da área do reservatório.

Interligação Norte-Sul

A Eletronorte dividiu com Furnas a responsabilidade pela construção do sistema de transmissão Norte-Sul que estabeleceu a conexão elétrica entre os sistemas interligados Norte-Nordeste e Sul-Sudeste, mediante a implantação de 1.270km de linhas de 500 kV entre as subestações de Imperatriz (MA) e Samambaia (DF). A interligação Norte-Sul entrou em operação em 1999, propiciando a constituição do chamado Sistema Interligado Nacional (SIN). A Eletronorte foi responsável pela implantação das linhas e novas subestações entre Imperatriz e Miracema, no estado do Tocantins. 

Ao mesmo tempo, a companhia construiu extenso sistema de transmissão no Pará para levar energia de Tucuruí a localidades do oeste do estado, como Altamira e Santarém. O chamado sistema Tramoeste em 230 kV entrou em operação em 1999. Em Mato Grosso, a expansão do sistema elétrico da Eletronorte permitiu o atendimento de cargas do norte do estado com energia hidrelétrica oriunda de outras empresas e a consequente desativação de unidades térmicas a diesel. A escassez de energia em Roraima levou a Eletronorte contratar o fornecimento de 200 MW de energia firme do complexo hidrelétrico Guri da empresa venezuelana Electrificación del Caroní (Edelca). O contrato previu a construção de um sistema de transmissão interligando os dois países, cabendo à empresa brasileira a instalação da linha de 230 kV no trecho entre Boa Vista e a cidade fronteiriça de Santa Elena de Uairén. A interligação Brasil-Venezuela entrou em operação em 2001.

Expansão de Tucuruí e novos empreendimentos  

Em 1998, a Eletronorte iniciou as obras da segunda etapa de Tucuruí, tendo em vista a duplicação da potência instalada da usina e a conclusão do sistema de transposição da barragem por meio de duas eclusas. Em 2007, com o acréscimo das 11 unidades geradoras, a hidrelétrica atingiu a capacidade final de 8.370 MW. 

A Eletronorte firmou parcerias para a consecução de importantes empreendimentos de geração e transmissão leiloados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em conformidade com as regras do novo modelo institucional do setor elétrico. A estatal federal tornou-se parceira em 18 consórcios, entre os quais, os formados para a construção e exploração da usina de Belo Monte e de instalações do sistema de transmissão em corrente contínua para escoamento de energia das usinas de Santo Antonio e Jirau, no rio Madeira em Rondônia, e da interligação Tucuruí-Manaus-Macapá. 

Em associação com a Eletrosul e a multinacional espanhola Abengoa, a empresa compôs o consórcio Integração Norte Brasil, responsável pela implantação da linha de corrente contínua em 600 kV com origem em Porto Velho e término em Araraquara (SP), integrante do sistema de transmissão das usinas do rio Madeira. Eletronorte, Chesf e Abengoa também foram responsáveis pela construção de parte das instalações da interligação Tucuruí-Manaus-Macapá em 500 kV. As três empresas formaram a Manaus Transmissora de Energia que cuidou da implantação da linha entre Tucuruí e a subestação Cariri que conectou a capital amazonense ao Sistema Interligado Nacional em 2013.  

A usina de Belo Monte foi construída pela Norte Energia, companhia constituída sob a forma de Sociedade de Propósito Específico (SPE) em 2010 por empresas de diferentes segmentos de atuação, entre as quais a Eletronorte (19,98%), Chesf (15%) e a holding Eletrobras (15%), além de fundos de previdência complementar. Situada na região conhecida como Volta Grande do Xingu, Belo Monte entrou em operação em 2016 e foi integralmente concluída em novembro de 2019. Com capacidade de 11.233 MW, é a quarta maior usina do mundo. À sua frente estão apenas as hidrelétricas de Três Gargantas (China), Itaipu (Brasil/Paraguai) e Xiluodu (China).

Com capacidade de geração instalada de 9.050 MW, a Eletronorte opera atualmente mais de onze mil quilômetros de linhas de transmissão e 57 subestações para levar energia elétrica a todo o Brasil por meio do Sistema Interligado Nacional.

Referências

CABRAL, Ligia Maria Martins (Coord.) Eletronorte: 25 anos. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, 1998.


CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Panorama do setor de energia elétrica no Brasil=Panorama of electric power sector in Brazil. 2ª. ed. Rio de Janeiro, 2006.

CHESF: 70 anos de história. Centro da Memória da Eletricidade no Brasil. Rio de Janeiro, 2018.

ELETRONORTE: 30 anos de pura energia brasileira. / Coordenação Ligia Maria Martins Cabral. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, 2004.

ELETROSUL 50 anos. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, 2018.

Portal Eletronorte*

https://www.eletronorte.gov.br/a-eletronorte-2/

*Acesso em 17 de junho de 2021


Paulo Brandi

Graduado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), iniciou carreira profissional no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). É pesquisador da Memória da Eletricidade desde 1987, onde coordenou diversos trabalhos publicados pela instituição, entre os quais, "Eletrificação rural no Brasil: uma visão histórica".