Furnas Centrais Elétricas completa 64 anos

Postado em 28/02/2021
Paulo Brandi

Graduado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), iniciou carreira profissional no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). É pesquisador da Memória da Eletricidade desde 1987, onde coordenou diversos trabalhos publicados pela instituição, entre os quais, "Eletrificação rural no Brasil: uma visão histórica".

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Quando foi criada em 28 de fevereiro de 1957, o seu nome era no singular: Central Elétrica de Furnas, sociedade de economia mista sob controle da União, incumbida da construção da primeira usina brasileira de capacidade superior a 1 mil MW e seu sistema de transmissão em 345 quilovolts (kV), inédito no hemisfério Sul. Vencido o primeiro desafio, a empresa assumiu novos empreendimentos, alterando a razão social para Furnas Centrais Elétricas. Foram muitas as conquistas de Furnas em mais de seis décadas de existência. Aqui rememoramos o início de sua trajetória, prestando homenagem à empresa que tanto vem contribuindo para a expansão da oferta de energia elétrica necessária ao desenvolvimento do país.

A criação da empresa 

A criação da Central Elétrica de Furnas foi a principal iniciativa do governo Juscelino Kubitschek (1956-1961) no setor de energia elétrica e um dos marcos da política desenvolvimentista traçada no célebre Programa de Metas. A missão primordial da companhia era a implantação de um sistema integrado de geração e transmissão na região Sudeste, mediante o aproveitamento do potencial energético do rio Grande, no trecho das corredeiras de Furnas, situado em Minas Gerais em local equidistante de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, as três cidades mais importantes da região.

O projeto de Furnas foi estudado inicialmente por técnicos das Centrais Elétricas de Minas Gerais (Cemig) a partir da descoberta de seu surpreendente potencial em 1954, sendo apresentado ao presidente Kubitschek como chave para a solução de longo prazo do problema energético do Sudeste. Estudos realizados em 1956 indicaram a necessidade de acrescentar quatro mil MW à capacidade instalada da região no horizonte de dez anos. Tratava-se de montante impossível de ser atingido com base nas obras programadas pelas empresas estrangeiras e concessionárias estaduais. Os grupos Light e American & Foreign Power Company (Amforp), que praticamente monopolizavam o mercado de energia elétrica da região Sudeste, alegavam que sua capacidade de investimento estava virtualmente comprometida pela política tarifária vigente.

Foi nesse contexto que o presidente Kubitschek aprovou a fundação da Central Elétrica de Furnas, sem solicitar autorização do Congresso Nacional, acolhendo proposta formulada pelo engenheiro Lucas Lopes, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), criado no segundo governo Vargas (sem o S de Social acrescido mais tarde).  

A companhia foi oficialmente constituída com sede em Passos (MG) e escritório central no Rio de Janeiro, por meio de escritura pública da qual participaram o BNDE, administrador do Fundo Federal de Eletrificação, a Cemig, o Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo (DAEE), a São Paulo Light e a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), subsidiária da Amforp. O governador mineiro José Francisco Bias Fortes chegou a condenar o projeto de Furnas, mas acabou avalizando a participação da Cemig em troca do apoio da União para a construção da barragem e da usina de Três Marias, no rio São Francisco. 

O BNDE contribuiu com 51% das ações ordinárias, com direito a voto, correspondentes a cerca de um quarto do capital. A São Paulo Light subscreveu metade das ações preferenciais que somadas à quota da CPFL representavam 30% do capital inicial da companhia. O restante ficou por conta da Cemig e do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) de São Paulo. A participação estrangeira suscitou protestos de líderes e personalidades nacionalistas, mas minguou após sucessivos aumentos de capital.

A primeira diretoria foi composta sob a presidência do engenheiro John Cotrim, um dos fundadores da Cemig. Além de Cotrim, os diretores Flávio Lyra da Silva e Benedito Dutra foram designados pela União. Maurício Chagas Bicalho e Mário Lopes Leão foram indicados pela Cemig e pelo governo paulista, respectivamente. A última vaga foi ocupada por João da Silva Monteiro Filho, dirigente da Light.

Pelo Decreto nº 41.066, assinado no mesmo dia de sua constituição, Furnas foi autorizada a funcionar como empresa de energia elétrica.

A usina de Furnas

O projeto definitivo de Furnas previu a instalação de 1.200 MW em duas etapas. A primeira compreendia todas as obras civis e hidráulicas da usina, a montagem de seis unidades geradoras com capacidade total de 900 MW e a implantação de linhas 345 kV até São Paulo e Belo Horizonte, além de uma linha de menor tensão para alimentar o canteiro de obras com energia da usina de Peixoto (Marechal Mascarenhas de Moraes), construída no rio Grande pela CPFL. A ligação com o Rio de Janeiro foi deixada para a segunda etapa, em virtude da dualidade de frequências na região Sudeste. A chegada da energia de Furnas aos consumidores cariocas estava condicionada à conversão do sistema Rio Light para a frequência de 60 hertz (Hz).

As obras foram iniciadas em junho de 1958 com recursos do Fundo Federal de Eletrificação e do BNDE, complementados por empréstimo de 73 milhões de dólares do Banco Mundial para as despesas em moeda estrangeira com a importação de máquinas e equipamentos. Foi o maior empréstimo feito pelo Banco Mundial para um só empreendimento até então.

Em março de 1960, o rio Grande foi desviado de seu leito natural para a construção da grande barragem com 127 metros de altura máxima. A linha para Belo Horizonte entrou em operação no mesmo ano, transmitindo energia de Peixoto à capital mineira num momento crítico do abastecimento a toda a zona central do estado. 

O reservatório formado pela barragem de Furnas inundou uma área de 1.350 km2, atingindo terras de 32 municípios mineiros, o que obrigou o deslocamento de 35 mil pessoas e a reconstrução da cidade de São José da Barra. A operação de enchimento do reservatório foi iniciada em janeiro de 1963 e concluída no mês seguinte. Foi uma verdadeira operação de guerra, segundo John Cotrim, por causa da renitente oposição de proprietários, autoridades e parlamentares ligados à região. Pessoas, animais domésticos e objetos das casas foram retirados por barcos, balsas, aviões e helicópteros com a ajuda de tropas federais.

A primeira unidade geradora de Furnas entrou em operação em setembro de 1963, no governo João Goulart (1961-1964), evitando um iminente corte do fornecimento de energia ao parque industrial paulista e carioca. A segunda máquina foi inaugurada em novembro, ainda em meio à prolongada estiagem que levou ao virtual esgotamento dos reservatórios da Light. O início da operação de Furnas representou o passo fundamental para a interligação dos sistemas elétricos do Sudeste. Seu reservatório permitiu a regularização do rio Grande, viabilizando novos aproveitamentos a jusante, tanto no rio Grande quanto no rio Paraná.

Ao completar 900 MW de potência em julho de 1965, a usina foi inaugurada oficialmente pelo presidente Humberto Castello Branco, restabelecendo o equilíbrio entre a oferta e a demanda de eletricidade na região Sudeste. As duas últimas unidades geradoras foram instaladas em 1973 e 1974, passando a usina a operar com a capacidade final de 1.216 MW. 

Furnas permaneceu sob o controle do BNDE até a constituição da Eletrobras em 1962, passando de imediato à condição de subsidiária da empresa holding federal. Três anos depois, foi autorizada a erguer a usina de Estreito (Luiz Carlos Barreto de Carvalho), também localizada no rio Grande, e encarregada de concluir as obras da termelétrica carioca de Santa Cruz e da usina de Funil, no rio Paraíba do Sul, no Rio de Janeiro.

Em junho de 1971, a empresa adotou a atual denominação Furnas Centrais Elétricas.

Furnas hoje

Furnas completa 64 anos como uma das maiores empresas de energia elétrica do país, referência no setor elétrico em pioneirismo e competência nas áreas de geração, transmissão, planejamento e engenharia. Atualmente, a empresa conta com usinas, linhas e subestações no Distrito Federal e em 15 estados da federação, nomeadamente, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Pará, Rondônia, Bahia, Rio Grande do Norte, Ceará, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

No segmento de geração, entre empreendimentos próprios, sob administração especial ou em parceria, a companhia conta com 21 hidrelétricas, duas termelétricas e um complexo eólico, somando mais de 18 mil MW de potência instalada. O sistema de transmissão abrange 200 linhas próprias, perfazendo 17,5 mil km, e 31 linhas em parceria com empresas públicas e privadas, com aproximadamente 10,5 mil km de extensão. Entre os empreendimentos de transmissão construídos e operados por Furnas, merece destaque o sistema de transmissão de Itaipu, integrado por três linhas de corrente alternada e duas de corrente contínua que cruzam 900 km desde Foz do Iguaçu no Paraná até a região metropolitana de São Paulo.

Referências: 

CABRAL, Ligia Maria Martins (coord.). Furnas: 50 anos mudando o Brasil. Rio de Janeiro: Memória da Eletricidade, 2007.

CABRAL, Ligia Maria Martins (coord.); COTRIM, John R. (biografado). John Cotrim: testemunho de um empreendedor. Rio de Janeiro: Memória da Eletricidade, 2020.

CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Panorama do setor de energia elétrica no Brasil=Panorama of electric power sector in Brazil. 2. ed. Rio de Janeiro, 2006.

MELLO, Flávio Miguez de (coord.). A história das barragens no Brasil, séculos XIX, XX e XXI: cinquenta anos do Comitê Brasileiro de Barragens. Rio de Janeiro: CBDB, 2011.

Portal Furnas Centrais Elétricas (acesso em 22 de fevereiro de 2021)


Paulo Brandi

Graduado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), iniciou carreira profissional no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). É pesquisador da Memória da Eletricidade desde 1987, onde coordenou diversos trabalhos publicados pela instituição, entre os quais, "Eletrificação rural no Brasil: uma visão histórica".