A Light e a eletrificação do Rio de Janeiro

A grande transformação do Rio de Janeiro na primeira metade do século XX foi marcada pelo processo de eletrificação da cidade capitaneado pela Light.
30/05/2025

Há 120 anos, a Light Serviços de Eletricidade iniciou sua trajetória como concessionária de energia elétrica no Rio de Janeiro, então capital da República e maior cidade do país. Originalmente denominada The Rio de Janeiro Tramway, Light and Power, a empresa foi fundada em Toronto no Canadá em junho de 1904 pelo mesmo grupo de investidores canadenses e norte-americanos que havia organizado The São Paulo Tramway, Light and Power Company em 1899. As duas empresas formaram o núcleo inicial do grupo Light, o mais importante do setor elétrico brasileiro na primeira metade do século passado.

A Rio Light foi criada no momento em que a capital federal estava sendo remodelada pela reforma urbana do prefeito Pereira Passos e por grandes obras do governo federal. Impressionado com o processo de transformação do Rio de Janeiro, o advogado Alexander Mackenzie, um dos principais representantes da Light no país, vislumbrou boas perspectivas para a instalação na cidade de uma empresa que reunisse os serviços de produção e distribuição de energia elétrica aos de viação elétrica, nos moldes dos já operados pela São Paulo Light. Suas ideias foram bem recebidas pelo prefeito carioca e pelo presidente da República, Rodrigues Alves, com quem a Light mantinha excelentes relações.

Em janeiro de 1905, Alexander Mackenzie adquiriu, em seu nome pessoal, a concessão outorgada em 1899 a William Reid para fornecimento de energia elétrica gerada por força hidráulica ao perímetro urbano do Distrito Federal. Em março, assinou acordo com o governo do Estado do Rio de Janeiro para o aproveitamento da força hidráulica do Ribeirão das Lajes e do rio Paraíba do Sul. Em maio, a Rio de Janeiro Tramway Light and Power recebeu autorização federal para funcionar no país.

A entrada em cena da Light no Rio de Janeiro representou um marco fundamental na história da eletrificação da cidade. A empresa executou de imediato projetos de grande envergadura para a época, contribuindo para o processo de modernização da capital federal e de expansão das atividades urbano-industriais.

O advogado Alexander Mackenzie e o engenheiro americano Frederick Pearson integravam um grupo de empresários canadenses e americanos que estava à frente de vários empreendimentos em seus países de origem. 1928 e 1910. Acervo Memória da Eletricidade e Acervo Light. (respectivamente)

O presente artigo traça um breve histórico da atuação da Rio Light até meados do século passado em correlação com a transformação da capital federal numa metrópole moderna, tendo como principal fonte de informação o livro Energia elétrica e urbanização na cidade do Rio de Janeiro, publicado pela Memória da Eletricidade em 2016.

O advento da energia elétrica no Rio de Janeiro 

As experiências com energia elétrica no Rio de Janeiro e em outras cidades do Brasil ocorreram de forma concomitante com as primeiras aplicações permanentes na Europa e nos Estados Unidos nas décadas de 1880 e 1890. Foram experiências e demonstrações do uso da eletricidade na iluminação e no transporte urbano, nem sempre duradouras, numa quadra em que o Rio de Janeiro ainda guardava características de cidade colonial, densamente povoada na zona central, mas já em franca expansão na direção das atuais zonas Norte e Sul.

A primeira aplicação permanente de luz elétrica no Rio de Janeiro e no país aconteceu em 1879, quando seis lâmpadas de arco voltaico do tipo Jablochkov foram instaladas na estação central da Estrada de Ferro D. Pedro II (depois Central do Brasil), em substituição a bicos de iluminação a gás. Em 1882, nova experiência foi levada a efeito na mesma estação da ferrovia, utilizando lâmpadas incandescentes da empresa do inventor norte-americano Thomas Edison. A iniciativa alcançou bons resultados, levando Aarão Reis e outros engenheiros do Clube de Engenharia a recomendar um estudo sobre o uso do sistema Edison na iluminação de residências, em substituição ao gás.

Em 1887, a Companhia Força e Luz instalou 109 lâmpadas elétricas em logradouros públicos e estabelecimentos no centro da cidade, empregando o sistema Julien, baseado no uso de acumuladores. Entretanto, os altos custos envolvidos no fornecimento de iluminação pelo sistema Julien acarretaram a retração do número de clientes e a dissolução da companhia.

Após a Proclamação da República, investidores manifestaram interesse em estabelecer centrais de distribuição de eletricidade para iluminação da capital federal. Teatros e cinematógrafos adotaram a iluminação elétrica, mas o predomínio do gás no campo da iluminação permaneceu incontestável. Inaugurado pelo Barão de Mauá em 1854, o serviço de iluminação a gás na cidade passara ao controle da empresa belga Société Anonyme du Gaz (SAG) ainda no Império. Em 1900, o Rio de Janeiro contava com cinco gasômetros, 15 mil combustores destinados à iluminação pública e 26 mil prédios e residências iluminadas a gás. A empresa belga também instalara uma pequena termelétrica para a iluminação de locais públicos de maior movimento, entre os quais o passeio da enseada de Botafogo.

A eletrificação dos bondes da cidade foi iniciada pela Companhia Ferro Carril do Jardim Botânico que desfrutava do monopólio das linhas de carris entre o centro e a Zona Sul. Em outubro de 1892, a empresa inaugurou sua primeira linha eletrificada no trecho entre o Largo do Machado e o Largo da Carioca, com energia gerada por uma central termelétrica com capacidade de 1.500 quilowatts. A viagem inaugural contou com a presença do marechal Floriano Peixoto, presidente da República. A Jardim Botânico eletrificaria progressivamente todas as suas linhas. Entretanto, a adoção da tração elétrica não significou o fim imediato dos bondes a burro que continuaram a circular em horários de menor movimento quando faltava energia.

Em 1895, a Companhia Ferro Carril Carioca eletrificou a linha de bondes com destino ao bairro de Santa Teresa, utilizando o Aqueduto da Carioca. Em 1898, foi a vez da Estrada de Ferro da Tijuca adotar a tração elétrica. Outras companhias, como a Vila Isabel e a São Cristóvão, não lograram eletrificar suas linhas.

A reforma urbana e a chegada da Light 

Empossado na presidência da República em novembro de 1902, Francisco de Paula Rodrigues Alves elegeu a reforma urbana da capital federal como meta prioritária de seu governo. Nomeado prefeito com poderes discricionários, o engenheiro Francisco Pereira Passos realizou um amplo programa de remodelação da cidade, ao mesmo tempo em que o governo federal empreendia a construção do novo porto do Rio. Coube também ao governo federal promover a campanha sanitária destinada a eliminar a febre amarela, o tifo e a cólera, epidemias que, sobretudo no verão, faziam milhares de vítimas e conferiam ao Rio de Janeiro a pecha de cidade malsã. Para chefiar essa campanha, foi designado o sanitarista Oswaldo Cruz.

A chamada Reforma Pereira Passou foi um marco na urbanização da cidade com a abertura de grandes eixos de circulação viária, como as avenidas Passos, Mem de Sá e Salvador de Sá, e o aterro de áreas pantanosas nos pontos mais críticos da cidade, como a zona do Canal do Mangue. Idealizada por Pereira Passos, a Avenida Beira-Mar facilitou o tráfego entre o centro e os arrabaldes da Zona Sul.

As obras federais também beneficiaram a circulação de veículos, com a abertura da Avenida do Mangue (atual Francisco Bicalho) e da Avenida Central (atual Rio Branco). A Avenida Central cortou o centro urbano em diagonal, não respeitando qualquer traçado preexistente, donde o elevado número de demolições, já que quarteirões tiveram que ser inteiramente arrasados.

Quando foi inaugurada em setembro de 1904, a Avenida Central contava com oitenta lâmpadas elétricas de arco voltaico e diversos bicos de gás, instalados pela empresa Braconnot & Irmãos mediante contrato firmado com a Société Anonyme du Gaz. Em novembro de 1905, a avenida foi aberta ao tráfego numa grande festa que contou com a presença do presidente Rodrigues Alves. O sistema de iluminação continuava misto com lâmpadas de arco no centro da via e lâmpadas a gás nas calçadas laterais. 

Novembro de 1905.Autorizada a funcionar no país em maio de 1905, a Rio Light iniciou o processo de compra de empresas de serviços públicos, adquirindo em pouco tempo as companhias de carris São Cristóvão, Carris Urbanos e Vila Isabel. Outra frente atacada foi a da iluminação. Em meados do ano, a companhia incorporou a Société Anonyme du Gaz, a qual manteve personalidade jurídica própria. De acordo com os termos da incorporação, ficava garantida, para a Rio Light, a transferência das concessões de iluminação elétrica pública e particular. De imediato, a SAG anulou todas as permissões dadas à Braconnot & Irmãos para a iluminação da Avenida Central e também do Theatro Municipal, da Caixa de Amortização e de outros edifícios públicos e particulares, e tomou posse das instalações elétricas da firma na rua do Hospício (atual rua Buenos Aires).

A entrada da Light no Rio de Janeiro não foi pacífica. De imediato, a empresa canadense enfrentou a oposição do grupo nacional capitaneado pelos empresários Eduardo Guinle e Cândido Gaffrée, proprietários da poderosa Companhia Docas de Santos, com múltiplos negócios em outras atividades, inclusive no campo da energia elétrica.

A Rio Light e a Guinle & Cia, empresa de Candido Gaffrée e Eduardo Guinle, travaram uma acirrada disputa pela primazia do fornecimento de energia elétrica à capital federal. A Guinle & Cia empreendeu a construção da usina de Alberto Torres, no rio Piabanha, contando justamente com as possibilidades de fornecimento de energia ao Distrito Federal. A empresa contestou os privilégios exclusivos da Light e desencadeou forte campanha na imprensa contra a companhia canadense.

Apoiada em pareceres emitidos por Ruy Barbosa, a Rio Light obteve ganho de causa e o monopólio dos serviços de energia elétrica no Rio de Janeiro. O mesmo aconteceu com os serviços de fornecimento de gás, bondes elétricos e telefonia da cidade que ficaram sob o controle da companhia canadense. Sucessora da Guinle & Cia, a Companhia Brasileira de Energia Elétrica (CBEE) assumiu os serviços de energia elétrica em Niterói e outros municípios fluminenses, como Petrópolis e São Gonçalo.

Em 1912, a Rio Light e a São Paulo Light foram agrupadas na empresa holding Brazilian Traction Light and Power Company, constituída em Toronto. Reunindo um capital equivalente a 23 milhões de libras, a empresa holding canadense concentrava a maior parcela dos serviços de energia elétrica, bondes e telefones da região mais desenvolvida do país: o eixo Rio-São Paulo.

A usina de Fontes

A primeira usina operada pela Rio Light foi uma pequena termelétrica instalada nas proximidades do Canal Mangue, no centro da cidade, responsável pela eletrificação dos bondes da Companhia Vila Isabel em 1905. Outras duas pequenas termelétricas, que forneciam energia para iluminação e empresas de bondes também passaram para o controle da companhia. Entretanto, a Rio Light decidiu empreender de imediato a construção de sua primeira hidrelétrica, tendo em conta o custo excessivamente elevado das usinas térmicas. Além disso, como assinalou o historiador Duncan McDowall, a empresa “precisava de sua usina funcionando antes que a usina rival de Alberto Torres estivesse pronta para, assim, derrotar os Guinle no mercado do Rio.”

Em dezembro de 1905, a Rio Light iniciou as obras da hidrelétrica de Fontes, localizada no Ribeirão da Lajes, no município fluminense de Piraí. Numa primeira etapa foi construída uma casa de força provisória para atendimento das obras da usina permanente e da demanda inicial da capital. Em julho de 1907, a Light inaugurou o serviço de distribuição de eletricidade ao centro do Rio de Janeiro, com a energia da usina provisória, transmitida até a estação terminal da rua Frei Caneca por uma linha de alta tensão em 88 kV com 80 km de extensão.

Em abril de 1908, a hidrelétrica de Fontes foi inaugurada com uma potência instalada de 12 megawatts (MW). Para permitir o armazenamento de água necessário à sua operação, foi construída a barragem de Salto, a primeira do reservatório de Lajes. Maior usina do Brasil e uma das maiores do mundo, Fontes atingiu a capacidade de 24 megawatts (MW) em 1909, proporcionando um grande incremento no consumo de energia elétrica nos diversos serviços urbanos.

O aumento da demanda de energia elétrica levou a Light a ampliar a potência instalada na hidrelétrica de Fontes. Com esse objetivo, as águas do rio Piraí foram desviadas para a vertente oceânica do rio Paraíba, através de um túnel de 8,5 km de extensão; uma segunda barragem – a de Tocos – aumentou a área do reservatório de Lajes, permitindo a instalação de mais duas unidades geradoras, cada uma com 12,5 MW de potência. Em 1913, a usina de Fontes passou a somar uma capacidade nominal de 49 MW.

Além da ampliação de Fontes, a Rio Light instalou uma usina a vapor nos fundos da nova fábrica de gás, para atender aos picos de demanda e as eventuais falhas na hidrelétrica. Em 1913, os quatro grupos geradores da termelétrica perfaziam o total de 12 MW de capacidade instalada.

Subestações e rede de distribuição

A par do grande investimento na usina de Fontes, a Rio Light iniciou a implantação de extenso sistema de distribuição de eletricidade na capital federal. A partir da subestação Frei Caneca, foram instaladas redes subterrâneas e aéreas de energia elétrica, dedicadas predominantemente aos serviços de iluminação e dos bondes elétricos nos primeiros anos de atuação da companhia. Já em 1908, entretanto, a Light começou a fornecer energia para estabelecimentos fabris, cujos motores requeriam muita força.

Inicialmente, a subestação de Frei Caneca era a única responsável pelo suprimento de carga, mas a partir de 1910 essa tarefa passou a ser dividida com a subestação de Cascadura, que foi ligada diretamente às linhas de transmissão que vinham de Fontes Em 1913, com a ampliação da usina de Fontes, a tensão do sistema de transmissão foi elevada para 88 kV. Nos anos seguintes, as subestações de Frei Caneca e Cascadura foram ampliadas para o atendimento da crescente demanda de energia em diversas áreas da cidade, que passaram a contar com novas subestações distribuidoras.

Os primeiros trechos da rede subterrânea foram construídos entre 1905 e 1909 no centro da cidade, área de ocupação mais densa, com alguma dificuldade por causa da demora do poder público em autorizar as obras. Em 1908, a rede subterrânea ultrapassou a área central com a instalação de cabos para atendimento do Moinho Inglês, na Gamboa, e da Exposição do Centenário da Abertura dos Portos, na Praia Vermelha.

A montagem da rede aérea começou com a instalação de circuitos em direção ao Andaraí e a Cascadura. Em 1910, as principais ruas das zonas Sul e Norte e dos subúrbios (até Cascadura) já estavam providas de energia elétrica. Em seguida, a rede aérea foi prolongada para Bonsucesso, Penha, Deodoro e Realengo, Campo Grande e Santa Cruz. O suprimento às ilhas da baía de Guanabara começou em 1911, por meio de cabo submarino, atendendo inicialmente a ilha das Cobras, onde funcionava o Arsenal de Marinha. Em 1916, foi a vez da ilha do Governador, e em 1920 das ilhas do Boqueirão e Paquetá. Por volta de 1920, os bairros mais afastados da Zona Sul e de subúrbios distantes cortados pelas linhas das estradas de ferro Central do Brasil e Leopoldina já eram atendidos por energia elétrica através da rede aérea.

Disseminação do uso da energia elétrica 

Resultado de extensa pesquisa de uma equipe multidisciplinar formada pela Memória da Eletricidade, o livro Energia elétrica e urbanização do Rio de Janeiro oferece um amplo painel da expansão urbana do Rio Janeiro sob o signo da eletricidade até o final da década de 1940, época em que essa forma de energia já estava plenamente incorporada ao cotidiano da cidade.

O livro mostra o papel fundamental da energia elétrica na construção do Rio moderno nos trinta anos seguintes à reforma urbana do início do século XX. Nesse período, novas e diversificadas paisagens urbanas surgiram com o crescimento demográfico significativo e a expansão da cidade, tanto em direção ao Sul, como ao Norte e a Oeste. Em 1906, segundo o censo organizado pelo prefeito Pereira Passos, a população carioca somava 805 mil habitantes. Em 1930, já passava de 1,4 milhão de pessoas, chegando a mais de 2,3 milhões em 1950. Esse crescimento ocorreu par i passu com a gradual expansão dos subúrbios e o adensamento de certas áreas, particularmente no Centro e na Zona Sul, com a construção de prédios de escritório e apartamentos que marcaram processo de verticalização da cidade.

Como ressalta o livro da Memória da Eletricidade, “a nova configuração da cidade se confundiu com a própria expansão da Rio Light e de seus vetores de ação. Instalando e controlando as redes de serviços urbanos – transporte, gás, iluminação, telefonia –, acionando elevadores, turbinas e motores, iluminando marquises, teatros e lojas, a Rio Light e, com ela, a eletricidade, delinearam um novo modo de vida, ao mesmo tempo cosmopolita e carioca.”

A energia da usina de Fonte colocou a Light em posição altamente vantajosa De imediato, a usina Fontes atendeu com folga a demanda de energia elétrica dos serviços de iluminação e transportes coletivos da capital federal e dos estabelecimentos fabris cariocas.

Em 1909, o Rio já contava com 3.400 consumidores de luz elétrica particular. O desenvolvimento da iluminação elétrica particular afetou o consumo de gás a tal ponto que a Société Anonyme du Gaz desenvolveu uma campanha para estimulá-lo. O fornecimento de energia elétrica a particulares incluía tanto residências como casas de diversão e estabelecimentos comerciais. Em 1928, a Rio Light firmou dois importantes contratos: um com o Theatro Municipal, que até então usava a energia fornecida por uma pequena usina própria, para iluminação e ventilação, e outro com o Clube de Regatas Vasco da Gama, para a iluminação do seu estádio de futebol em São Cristóvão, com o intuito de permitir a realização de jogos noturnos.

O livro mostra o papel fundamental da energia elétrica na construção do Rio moderno nos trinta anos seguintes à reforma urbana do início do século XX. Nesse período, novas e diversificadas paisagens urbanas surgiram com o crescimento demográfico significativo e a expansão da cidade, tanto em direção ao Sul, como ao Norte e a Oeste. Em 1906, segundo o censo organizado pelo prefeito Pereira Passos, a população carioca somava 805 mil habitantes. Em 1930, já passava de 1,4 milhão de pessoas, chegando a mais de 2,3 milhões em 1950. Esse crescimento ocorreu par i passu com a gradual expansão dos subúrbios e o adensamento de certas áreas, particularmente no Centro e na Zona Sul, com a construção de prédios de escritório e apartamentos que marcaram processo de verticalização da cidade.

Como ressalta o livro da Memória da Eletricidade, “a nova configuração da cidade se confundiu com a própria expansão da Rio Light e de seus vetores de ação. Instalando e controlando as redes de serviços urbanos – transporte, gás, iluminação, telefonia –, acionando elevadores, turbinas e motores, iluminando marquises, teatros e lojas, a Rio Light e, com ela, a eletricidade, delinearam um novo modo de vida, ao mesmo tempo cosmopolita e carioca.”

A energia da usina de Fonte colocou a Light em posição altamente vantajosa De imediato, a usina Fontes atendeu com folga a demanda de energia elétrica dos serviços de iluminação e transportes coletivos da capital federal e dos estabelecimentos fabris cariocas.

Em 1909, o Rio já contava com 3.400 consumidores de luz elétrica particular. O desenvolvimento da iluminação elétrica particular afetou o consumo de gás a tal ponto que a Société Anonyme du Gaz desenvolveu uma campanha para estimulá-lo. O fornecimento de energia elétrica a particulares incluía tanto residências como casas de diversão e estabelecimentos comerciais. Em 1928, a Rio Light firmou dois importantes contratos: um com o Theatro Municipal, que até então usava a energia fornecida por uma pequena usina própria, para iluminação e ventilação, e outro com o Clube de Regatas Vasco da Gama, para a iluminação do seu estádio de futebol em São Cristóvão, com o intuito de permitir a realização de jogos noturnos.

A expansão da iluminação pública também foi notável. Em 1911, várias ruas do Centro (Santa Teresa, Estácio e Catumbi), da Zona Sul (Glória, Catete, Flamengo, Laranjeira, Cosme Velho, Botafogo, Humaitá e Copacabana) e da Zona Norte (Rio Comprido, Engenho Velho e Tijuca), já servidas pela iluminação a gás, foram beneficiadas com a iluminação elétrica, passando assim a contar com uma iluminação mista. Em 1919, a eletricidade passou definitivamente à frente na iluminação pública da cidade. O fim do serviço de iluminação a gás ocorreu na noite de 31 de dezembro de 1933, quando os derradeiros combustores ainda presentes na iluminação pública do Rio brilharam pela última vez.

O controle da maioria dos bondes da cidade assegurou a maior fonte de receita da Light durante alguns anos. Em 1907, a Light firmou contrato com a prefeitura para unificação das empresas de carris que serviam ao Centro e à Zona Norte da cidade. O contrato previu a duplicação dos trilhos das companhias Vila Isabel, Carris Urbanos e São Cristóvão, permitindo a circulação nos dois sentidos da mesma via.

Em 1911, a Companhia Jardim Botânico começou a receber energia de Fontes e a substituir os carris, em serviço havia quase vinte anos. Os investimentos de novas linhas na Zona Norte foram mais intensos, dada a necessidade de integração de toda a rede. A partir de pequenas empresas que faziam a ligação do interior dos bairros às estações ferroviárias da Central do Brasil e da Leopoldina, a Light foi realizando a expansão da rede. Na década de 1920, os bondes de tração animal deixaram definitivamente de circular pelas ruas do Rio.

“O bonde elétrico”, como disse o historiador Sergio Lamarão, “agilizou e intensificou a circulação de passageiros e mercadorias, tornando possível a ocupação de áreas distantes do centro comercial, tanto na direção da orla marítima quanto na dos subúrbios”.

A Light também investiu nos ônibus elétricos e nos serviços de auto-ônibus movidos a gasolina para aliviar o movimento de passageiros em seus bondes. Em 1930, a empresa inaugurou modernas oficinas no bairro de Triagem. Além de reparos e produção de peças para usinas, as oficinas, conhecidas como Cidade Light, eram capazes de construir 150 bondes e 50 ônibus elétricos por ano, num padrão industrial sem precedentes no país.

Muito cedo, a energia elétrica de Fontes passou a ser utilizada por fábricas de tecidos do Rio de Janeiro, estabelecimentos dos ramos de alimentos e bebida e pelos tradicionais Arsenais de Guerra e Arsenal de Marinha. Já em 1908, a Light começou a fornecer energia para companhias de fiação e tecidos Carioca, Aliança e Progresso Industrial do Brasil, com fábricas localizadas na Gávea, Laranjeiras e Bangu, respectivamente. Na década de 1910, a eletricidade fornecida por terceiros (vale dizer a Light) impôs-se como a principal modalidade de força motriz dos estabelecimentos industriais do Rio de Janeiro, superando a energia a vapor, o gás e outros, e também a energia elétrica autoproduzida.

Ampliação do parque gerador

O crescente uso da energia elétrica na capital federal exigiu novos investimentos em geração por parte da Rio Light. A primeira iniciativa da companhia no sentido de aumentar a capacidade instalada do seu sistema gerador foi a construção da usina hidrelétrica da Ilha dos Pombos, no rio Paraíba do Sul, município do Carmo. O empreendimento ficou a cargo da Brazilian Hydro Electric Company, empresa ligada à Rio Light. Inaugurada em 1924, Ilha dos Pombos atingiu a capacidade instalada de 73 MW em 1929, praticamente duplicando o potencial das unidades geradoras da Light no Rio de Janeiro. 

A Rio Light também se preocupou em estender sua área de atuação, restrita originalmente ao território do Distrito Federal. Na década de 1920, a empresa passou a atuar em diversos municípios da Baixada Fluminense e do Vale do Paraíba no estado do Rio de Janeiro, por meio da incorporação de pequenas empresas concessionárias de capital nacional.

As empresas do grupo Light atuantes no Rio de Janeiro não construíram novas usinas no período do primeiro governo Getúlio Vargas (1930-1945), marcado por importantes transformações no quadro institucional do setor elétrico. Mesmo assim, cerca de 114 MW foram acrescidos à capacidade instalada do sistema fluminense da Light. O reservatório de Ribeirão das Lajes foi ampliado mediante o alteamento da barragem original, erguida no início do século, permitindo a instalação de novas unidades geradoras na usina de Fontes. A capacidade da usina da Ilha dos Pombos foi elevada com a instalação de mais um grupo gerador. Dessa forma, a potência geradora do sistema Rio Light alcançou a marca de 269 MW em 1945.

Ao longo da década de 1930, a disponibilidade de energia elétrica do sistema Rio Light foi superior à demanda, servindo de estímulo ao extraordinário crescimento urbano e industrial do Rio. O consumo de energia elétrica na capital federal mais do triplicou em decorrência de diversos fatores como o incremento das atividades industriais, o uso dos aparelhos eletrodomésticos nas residências e a maior demanda de energia dos serviços públicos de iluminação e transporte, incluindo o tráfego suburbano ferroviário eletrificado por iniciativa do governo Vargas.

Em 1937, o Código de Obras decreto pelo prefeito Henrique Dodsworth instituiu uma série de normas importantes para as construções, deixando claro a preocupação das autoridades em generalizar o uso da energia elétrica. Tornou-se obrigatório, por exemplo, nas novas construções, o uso da iluminação elétrica. Também obrigatórias passaram a ser a existência, no interior das casas, de canalizações tanto de gás como de energia elétrica, de acordo com as normas da Inspetoria Geral de Iluminação, e a utilização de bombas automáticas elétricas para o abastecimento de caixas d’água. A administração do prefeito Dodsworth foi marcada por grandes obras que remodelaram a cidade. Além de levar a cabo o desmonte do morro do Castelo, paralisado há alguns anos, a prefeitura do Rio com o apoio do governo federal urbanizou a esplanada do Castelo e abriu a avenida Presidente Vargas, com mais de quatro quilômetros de extensão. Foram ainda pavimentadas e alargadas inúmeras vias e abertas outras, como as avenidas Brasil e Tijuca (atual Edson Passos).

Em interessante item sobre o uso da eletricidade nas residências, o livro da Memória da Eletricidade destaca a campanha publicitária promovida pela Light e pela Liga Brasileira de Electricidade, que procurava disseminar o uso de eletrodomésticos, visando na verdade a estimular o aumento do consumo de energia elétrica. “Essas campanhas eram divulgadas tanto na revista editada pela própria Light como em periódicos de grande circulação. Assim, podia-se ler na Revista Light de novembro de 1934 a sugestão “Use o ferro elétrico de engomar porque evita as cinzas do carvão e as fagulhas que queimam as roupas”, ou, no Diário de Notícias (19/12/1937), o anúncio “Um emprego útil”, ressaltando as vantagens da enceradeira. Já a Liga Brasileira de Electricidade estampou no mesmo jornal (25/5/1938) o anúncio “Cinco presentes úteis”, promovendo a compra de ferro, aspirador, ventilador, geladeira e enceradeira, e na revista O Cruzeiro (28/5/1938) a publicidade “Uma só corrente”, estimulando o uso de lâmpada, secador de cabelos, ventilador, almofadas de aquecimento, máquina de costura, ferro, rádio, refrigerador e aspirador de pó.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o sistema Rio Light alcançou um “ponto de saturação”, segundo o renomado engenheiro Asa White Billings, responsável pela concepção e execução de importantes empreendimentos da companhia canadense, tanto no Rio como em São Paulo. Em 1945, a capital federal viveu o primeiro racionamento de sua história, solicitado pela própria Light. Foram três os motivos alegados pela empresa: os obstáculos para ampliar suas instalações no período da guerra, o aumento da demanda de energia provocado pelo boom industrial e a forte seca que reduzira as afluências ao reservatório de Ribeirão das Lajes, comprometendo a geração da usina de Fontes.

O primeiro trabalho de ampliação da capacidade instalada do sistema da Rio Light após 1945 foi realizado na usina de Fontes. Em 1947, a entrada em funcionamento de mais um grupo gerador de 35 MW marcou a conclusão da última etapa do plano de expansão da hidrelétrica. A usina atingiu assim a potência total final de 154 MW. Em 949, foi a vez da usina de Ilha dos Pombos sofrer um acréscimo, com a entrada em serviço do quinto grupo gerador. Com essa instalação, a usina passou a contar com 167 MW de potência.

A par da ampliação do sistema gerador nas décadas de 1930 e 1940, a Rio Light empreendeu um programa de construção de linhas e subestações localizadas nos principais centros de carga de modo a poder atender ao aumento de demanda de energia em sua área de concessão, notadamente na capital federal. A inauguração das subestações de Nilópolis, em 1936, e de Deodoro, em 1937, fez parte desse quadro. Ambas foram ampliadas ainda na década de 1930. Já as subestações de Santa Cruz, Bangu e Nova Iguaçu foram substituídas por novas, construídas em locais diferentes das anteriores.

Na década de 1940, entraram em operação as subestações de Copacabana, em 1942, e a do Tanque, e Jacarepaguá, em 1943, ampliada em 1948. Cinco subestações – entre as quais a da Penha e a do Méier – receberam equipamentos adicionais. Na Zona Rural, foram construídas duas pequenas subestações, em Guaratiba, em 1943, e em Magarça, em 1949. 

Em 1950, conclui o livro da Memória da Eletricidade, “o Rio de Janeiro era uma metrópole com 2,3 milhões de habitantes, rasgada de ponta a ponta pelas linhas de distribuição de luz e força da Rio Light. Foi a eletricidade que deu forma à “Cidade Maravilhosa”, primeiro com seus bondes, ônibus e iluminação feérica, depois com seus belos prédios altos, seus cinemas, cassinos, teatros e hotéis. A entrada da eletricidade no universo privado, diversificando-se para além da iluminação sob a forma de diferentes aparelhos eletrodomésticos, também produziu uma mudança radical no modo de vida da população. Finda a primeira metade do século XX, era impossível para os cariocas imaginar viver sem aquilo que, apenas algumas décadas antes, era visto como um espetáculo de magia”.

Referências bibliográficas

CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Panorama do setor de energia elétrica no Brasil=Panorama of electric power sector in Brazil. 2ª. ed. Rio de Janeiro, 2006.

ENERGIA elétrica e urbanização na cidade do Rio de Janeiro/Coordenação editorial de Ligia Maria Martins Cabral. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, 2016.

LAMARÃO, Sergio Tadeu de Niemeyer. A energia elétrica e o parque industrial carioca, 1880-1920. Niterói: Tese de Doutorado – UFF, 1997.

______. Capital privado, poder público e espaço urbano: a disputa pela implantação dos serviços de energia elétrica na cidade do Rio de Janeiro, 1905- 1915. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, p. 75-97, 2002.

LIGHT: um século de muita energia: 1905-2005. / coordenação Ligia Maria Martins Cabral. – Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, 2005.

MCDOWALL, Duncan. Light. A história da empresa que modernizou o Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2008.

WEID, Elisabeth Von der. A expansão da Rio de Janeiro Tramway Light and Power ou as origens do “Polvo Canadense”. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 2003.