A CPFL e a usina de Peixoto

Postado em 16/11/2021
Paulo Brandi

Graduado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), iniciou carreira profissional no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). É pesquisador da Memória da Eletricidade desde 1987, onde coordenou diversos trabalhos publicados pela instituição, entre os quais, "Eletrificação rural no Brasil: uma visão histórica".

Compartilhar

Fundada em novembro de 1912, a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) começou a escrever sua história no setor elétrico brasileiro como uma empresa de capital privado nacional, incorporando pequenas concessionárias de energia elétrica que atuavam numa dezena de municípios da região central de São Paulo. A companhia foi organizada por iniciativa dos engenheiros e empresários Manfredo Antônio da Costa e José Balbino de Siqueira, tendo por finalidade, segundo seu estatuto original, “a exploração industrial da eletricidade em todas as variadas aplicações no estado de São Paulo”. Essa foi a origem da CPFL Energia, hoje uma das maiores empresas de energia elétrica do Brasil, atuante em todas as regiões do país. 

Foram muitos os desafios e realizações da CPFL no longo percurso iniciado precisamente há 109 anos. Também foram vários os pontos de inflexão na trajetória da companhia. Adquirida em 1927 pela American and Foreign Power Company (Amforp), a CPFL tornou-se a principal subsidiária do grupo norte-americano no Brasil, expandindo sua área de atuação no interior paulista mediante a incorporação de dezenas de concessionárias. 

Na década de 1950, a CPFL realizou o primeiro grande aproveitamento hidrelétrico do rio Grande: a usina de Peixoto (Marechal Mascarenhas de Morais), localizada em trecho do rio próximo à divisa de São Paulo com Minas Gerais, em área dos municípios mineiros de Ibiraci e Sacramento. Inaugurada em 1957, a usina destacou-se como maior investimento da CPFL em seu período como subsidiária da Amforp no país. 

O empreendimento 

Em 1950, a CPFL respondia pelos serviços de energia elétrica em 131 municípios de São Paulo, entre os quais, Campinas, Ribeirão Preto, Bauru, Araraquara e Piracicaba, além de dois municípios no estado de Minas Gerais. A área servida em São Paulo, quase um terço do território paulista, contribuía com mais da metade da produção agrícola do estado, destacando-se o café, o algodão, a cana-de-açúcar, o milho e o arroz, lavouras que recebiam mecanização intensiva e utilizavam modernas técnicas de cultivo. Além da agricultura, a indústria e a pecuária também desempenhavam um papel significativo na economia da região atendida pela CPFL. A companhia contava com 17 hidrelétricas, somando 100 MW de capacidade instalada, e 8,7 mil km de linhas de transmissão e distribuição que formavam um dos mais extensos sistemas interligados da América do Sul.

Preocupada em atender a expansão da carga do sistema paulista, a CPFL elaborou um plano de aproveitamento da energia hidráulica de trechos do rio Grande, nos limites entre São Paulo e Minas Gerais, obtendo a concessão de quatro aproveitamentos hidrelétricos nos locais denominados Peixoto, Praia, Estreito e Cachoeira de Marimbondo, com potencial estimado em 1.100 MW.

A construção da usina de Peixoto teve início em 1952, tendo em vista a instalação inicial de duas unidades geradoras com potência total de 80 MW. As estruturas civis e hidráulicas da usina foram construídas por completo desde o início de forma a permitir a posterior instalação de mais oito unidades, perfazendo dessa forma a capacidade final da usina de 476 MW. 

Capacidade de armazenamento: duas vezes o volume da baía de Guanabara

Peixoto foi projetada pela empresa norte-americana Ebasco Services, em colaboração com a Companhia Auxiliar de Empresas Elétricas Brasileiras (Caeeb), empresa responsável pela supervisão das operações administrativas, de engenharia, jurídicas e contábeis das concessionárias do grupo norte-americano no país. A barragem com 68 metros de altura e 600 metros de comprimento represou o rio Grande numa extensão de 100 km, formando um reservatório com capacidade de armazenamento de quatro bilhões de metros cúbicos, equivalente a duas vezes o volume da baía da Guanabara.

A inauguração da usina, em 19 de abril de 1957, contou com a presença do presidente da República Juscelino Kubitschek e de autoridades norte-americanas, de dirigentes da Amforp, da Caeeb e da própria CPFL. Peixoto contava com quatro unidades geradoras em 1964, quando a CPFL passou ao controle da Eletrobras juntamente com as demais concessionárias do grupo Amforp.

Graças à regularização das vazões do rio Grande proporcionada pela barragem de Furnas, a CPFL retomou o processo de motorização da usina, instalando mais seis unidades geradoras entre 1968 e 1969. A usina foi transferida para Furnas Centrais Elétricas em agosto de 1973, por compra, e encontra-se atualmente em operação, integrando o Sistema Interligado Nacional. 

A transferência da CPFL companhia para o governo paulista, sem a usina de Peixoto, foi consumada em 1975. A Centrais Elétricas de São Paulo (Cesp) assumiu o controle acionário da companhia, mantendo a CPFL personalidade jurídica própria. 

A CPFL hoje

Em 1997, a trajetória da CPFL sofreu uma nova inflexão com a privatização da empresa. Em leilão realizado na Bolsa de Valores de São Paulo, a companhia foi arrematada pelo consórcio constituído pela VBC Energia e pela Bonaire Participações que reuniu diversos fundos de pensão. 

Em 2002, surgiu a holding CPFL Energia, reunindo sob uma única bandeira os ativos de duas companhias de distribuição em São Paulo e uma no Rio Grande do Sul, 19 centrais hidrelétricas, uma termelétrica e mais as empresas geradoras Serra da Mesa Energia, Barra Grande Energia, Complexo Energético Rio das Antas (Ceran), Foz do Chapecó Energia e Campos Novos Energia. 

Pequenas hidrelétricas construídas nos tempos pioneiros da companhia permaneceram ativas. Passaram por reformas e modernizações e ganharam status de geração distribuída. 

Em 2017, a estatal chinesa State Grid assume o controle da CPFL Energia, concluindo a aquisição de 54,64% de participação acionária da companhia que pertenciam à Camargo Corrêa e a diversos fundos de pensão. Em novembro, a State Grid passou a deter 94,75% do capital social da holding.

A CPFL é a segunda maior distribuidora em volume de energia vendida, com 14% de participação no mercado nacional, atendendo cerca de 10 milhões de clientes em 687 municípios. Com 4.305 MW de capacidade instalada, é a terceira maior geradora privada do país, sendo a líder em geração renovável, com atuação em fontes hidrelétrica, solar, eólica e biomassa. Conta também com investimentos em transmissão e uma operação nacional por meio da CPFL Soluções, fornecendo soluções integradas em gestão e comercialização de energia, eficiência energética, geração distribuída, infraestrutura energética e serviços de consultoria.

Referências

Livros

CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Panorama do setor de energia elétrica no Brasil=Panorama of electric power sector in Brazil. 2. ed. Rio de Janeiro, 2006.

COMPANHIA PAULISTA DE FORÇA E LUZ. Energia e desenvolvimento. 70 anos da Companhia Paulista de Força e Luz. Campinas, 1982.

Periódicos

ZONA de operação das empresas de energia elétrica (Companhia Paulista de Forças e Luz). Águas e energia elétrica, Rio de Janeiro, n. 10, p. 35-37, out. 1951.

APROVEITAMENTO hidroelétrico de Peixoto. Águas e energia elétrica, Rio de Janeiro, n. 18, p. 24-29, out. 1953.

TERÁ potência final de 400.000 kW a usina hidrelétrica de Peixoto no rio Grande. Correio Paulistano, São Paulo, 17 abr. 1956.

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=090972_10&Pesq=%22usina%20%20de%20Peixoto%22&pagfis=30932

SIL, Antonio Carlos Sil. As “velhinhas” da CPFL. Brasil Energia, n. 295, jun. 2005, p. 121

Relatórios

COMPANHIA AUXILIAR DE EMPRESAS ELÉTRICAS BRASILEIRAS. Relatório da diretoria. 1952.

Internet

Portal CPFL Energia

Paulo Brandi

Graduado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), iniciou carreira profissional no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). É pesquisador da Memória da Eletricidade desde 1987, onde coordenou diversos trabalhos publicados pela instituição, entre os quais, "Eletrificação rural no Brasil: uma visão histórica".