Há 73 anos a Chesf começava sua caminhada

Postado em 15/03/2021
Paulo Brandi

Graduado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), iniciou carreira profissional no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). É pesquisador da Memória da Eletricidade desde 1987, onde coordenou diversos trabalhos publicados pela instituição, entre os quais, "Eletrificação rural no Brasil: uma visão histórica".

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Primeira empresa pública de eletricidade do país, a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco foi constituída em 15 de março de 1948 com a missão de prover energia para grande parte da região Nordeste, mediante o aproveitamento do potencial hidrelétrico da cachoeira de Paulo Afonso, no rio São Francisco. Tratava-se de empreendimento chave para a superação do déficit energético do Nordeste, na época, atendido precariamente por sistemas elétricos de pequeno porte, dependentes em larga medida da geração termelétrica. 

A criação da Chesf foi proposta no final do primeiro governo Vargas (1930-1945) ao tempo em que a intervenção do Estado ganhava relevância em setores importantes da economia brasileira. Vale lembrar, por exemplo, a fundação da Companhia Siderúrgica Nacional (1941), responsável pela implantação da usina siderúrgica de Volta Redonda (RJ), e da Companhia Vale do Rio Doce (1942), que se tornou das maiores empresas mineradoras do mundo. No setor elétrico, as primeiras ações do poder público visaram à eletrificação e ao melhor atendimento de áreas relegadas ao segundo plano por concessionárias privadas, como era o caso justamente do Nordeste. 

1945: Vargas aprova a criação da empresa 

 O aproveitamento da energia hidráulica de Paulo Afonso, na divisa de Alagoas com a Bahia, era uma antiga aspiração de muitos nordestinos. O primeiro a utilizar a força da cachoeira foi o industrial cearense Delmiro Gouveia que ali instalou uma pequena usina em 1913 para movimentar sua fábrica de fios e linhas. Trinta anos depois, a ideia da construção de uma grande central geradora em Paulo Afonso foi abraçada com entusiasmo pelo engenheiro agrônomo pernambucano Apolonio Jorge de Faria Sales, ministro da Agricultura do governo Getúlio Vargas. Dele partiu a proposta de criação da Chesf como empresa pública responsável pelo empreendimento, sob o controle da União.

Em abril de 1944, Apolonio Sales apresentou a Vargas o anteprojeto de criação da Chesf, com capital inicial de 400 milhões de cruzeiros, prevendo a instalação de 112 megawatts como meta inicial da empresa. Na exposição de motivos ao presidente, Sales frisou a necessidade de deter o acelerado desequilíbrio entre o Nordeste e o Sudeste como um “imperativo da unidade nacional”. O plano original do ministro previa o aproveitamento múltiplo das águas do São Francisco, associando a produção de energia a projetos de irrigação e navegação, como vinha sendo feito nos EUA pela Tennessee Valley Authority (TVA).

Apolonio Sales defendeu ardorosamente a criação da Chesf, obtendo o apoio de Vargas, não obstante a oposição do Conselho Técnico de Economia e Finanças (CTEF), órgão consultivo do ministério da Fazenda, e de membros da Comissão de Planejamento Econômico, como o economista Eugênio Gudin, conhecido defensor da iniciativa privada. 

Em 3 de outubro de 1945, o presidente da República assinou o Decreto-Lei nº 8.031, que autorizou a organização da Chesf pelo Ministério da Agricultura, e o Decreto-Lei nº 8.032, que abriu ao Ministério da Fazenda o crédito especial de 200 milhões de cruzeiros para a subscrição de ações ordinárias da companhia. Pelo Decreto nº 19.706, promulgado na mesma data, a empresa obteve concessão por cinqüenta anos para efetuar o aproveitamento progressivo de energia elétrica do trecho do rio São Francisco entre Juazeiro (BA) e Piranhas (AL), fornecer energia em alta tensão a concessionários de serviços públicos e, respeitados os direitos de terceiros, realizar a distribuição de eletricidade. 

A área de atuação da Chesf foi delimitada por um círculo de 450 quilômetros de raio em torno de Paulo Afonso (depois ampliado para 700 km), abrangendo inicialmente 347 municípios dos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia, que somavam 516 mil km2, situados em grande parte no Polígono das Secas.

1948: A constituição da Chesf

A organização da Chesf foi retardada pela deposição de Vargas em 29 de outubro de 1945, permanecendo sob compasso de espera por dois anos até receber o apoio resoluto do presidente Eurico Gaspar Dutra (1946-1951) e do ministro da Agricultura, Daniel de Carvalho. Em outubro de 1947, finalmente, o engenheiro Antônio José Alves de Souza foi convocado para estruturar a companhia, elaborando o documento conhecido como Manifesto da Chesf. O documento previu a instalação inicial de 110 MW na usina de Paulo Afonso e de duas linhas primárias de transmissão, uma até Recife e outra até Propriá (SE), de onde partiriam linhas secundárias para Maceió e Aracaju. O documento suscitou protestos da bancada baiana no Congresso, que questionou a exclusão da Bahia na relação dos estados a serem energizados na primeira etapa de Paulo Afonso. O impasse foi resolvido em 1º de dezembro de 1947, quando o presidente Dutra lançou a campanha de subscrição de ações da Chesf, declarando que autorizaria as operações de crédito necessárias para extensão das linhas de transmissão à Bahia e à Paraíba.

Em março de 1948, a Chesf foi constituída em assembleia geral de acionistas realizada no Rio de Janeiro, sede inicial da companhia. O governo federal contribuiu com metade do capital, subscrevendo as ações ordinárias. As preferenciais foram subscritas, em sua maior parte, pelos governos da Bahia, de Pernambuco, Alagoas e Sergipe, sendo integralizadas com a participação de institutos de previdência federais.

Eleita a primeira diretoria, Antônio José Alves de Sousa assumiu o posto de presidente, tendo como principais auxiliares os engenheiros Octávio Marcondes Ferraz, Carlos Berenhauser Júnior e Adozindo Magalhães de Oliveira, os quais ocuparam as diretorias técnica, comercial e administrativa, respectivamente.

1955: Inauguração de Paulo Afonso I

As obras de Paulo Afonso I foram realizadas diretamente pela Chesf sem a participação de firmas empreiteiras. O projeto definitivo da usina foi elaborado pelo engenheiro Marcondes Ferraz que concebeu solução original diferente das propostas até então esboçadas. O arranjo geral do aproveitamento compreenderia a construção de duas barragens de pequena altura (15 metros) em forma de funil, a tomada d’água no vértice das barragens, túneis de adução escavados na rocha, uma casa de máquinas subterrânea com três unidades de 60 MW e um túnel de descarga, desaguando no cânion do São Francisco. As barragens foram projetadas visando a futuras ampliações do aproveitamento pela construção de mais duas tomadas d’água e respectivas casas de máquinas, posteriormente denominadas Paulo Afonso II e III, também subterrâneas. 

Marcondes Ferraz contou com o auxílio de vários engenheiros brasileiros e estrangeiros na elaboração do projeto e na execução das obras da usina e de seu sistema de transmissão. A equipe de assessores do diretor técnico foi formada por Gentil Norberto, José Vilela, Julio Miguel de Freitas e Domingos Marchetti, italiano radicado no país e especialista em túneis. O engenheiro francês André Jules Balança foi responsável pelos cálculos hidráulicos do projeto da usina e pela construção de seu modelo reduzido

Paulo Afonso, um lugarejo praticamente desabitado pertencente ao município de Glória, sofreu uma transformação radical com as obras do grande aproveitamento hidrelétrico. Em 1950, já contava com população superior a 6 mil habitantes, distribuída em três bairros residenciais e na Vila Poty, núcleo informal composto por trabalhadores, em sua maioria sem qualificação, atraídos pela possibilidade de emprego e pelos serviços médicos e educacionais da companhia. 

A Chesf enfrentou um momento crítico em abril de 1954 quando o Banco Mundial, financiador da obra, manifestou discordância com a solução proposta por Marcondes Ferraz para o desvio do braço principal do São Francisco. A direção do banco acabou voltando atrás e o fechamento do rio foi concluído com pleno êxito em setembro. 

Em 15 de janeiro de 1955, em solenidade que contou com a presença do presidente João Café Filho, a Chesf inaugurou a usina de Paulo Afonso I, marco inicial das realizações da empresa no campo da geração de energia elétrica. Primeira das cinco usinas do complexo de Paulo Afonso, a hidrelétrica transformou radicalmente o panorama da oferta de energia no Nordeste. 

Desde então, a Chesf assumiu um papel de ponta no setor elétrico brasileiro, contribuindo decisivamente para a implantação da infraestrutura básica de eletricidade do Nordeste. Já no século XXI, a companhia expandiu sua área de atuação, firmando parcerias para a consecução de grandes empreendimentos hidrelétricos na Amazônia. 

Referências:

CARVALHO, Afrânio de. Paulo Afonso e a integração nacional. Rio de Janeiro: Forense, 1989.

CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Octávio Marcondes Ferraz: um pioneiro da engenharia nacional. Rio de Janeiro, 1993.

_____. André Jules Balança: depoimento. Rio de Janeiro, 2011.

_____. Paulo Afonso I: imagens de uma epopeia. Rio de Janeiro, 2007

CHESF: 70 anos de história. Centro da Memória da Eletricidade no Brasil. Rio de Janeiro, 2018.


Paulo Brandi

Graduado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), iniciou carreira profissional no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). É pesquisador da Memória da Eletricidade desde 1987, onde coordenou diversos trabalhos publicados pela instituição, entre os quais, "Eletrificação rural no Brasil: uma visão histórica".